Sunday, December 26, 2010

Ciências Transculturais de Saúde


Sim, é verdade, existe. Há um instituto na Europa-Universität Viadrina, em Frankfurt / Oder, que se chama «Institut für Transkulturelle Gesundheitswissenschaften» (IntraG). Estou ansioso por conhecê-lo na minha docência Erasmus em Janeiro de 2010. Um dos fundadores deste instituto é Prof. Hartmut Schröder, um dos nossos parceiros que já esteve na Universidade do Minho. Espero que haja a possibilidade de futuras cooperações.

Os viajantes e os museus


A importância dos relatos de viagem a Portugal para a história do património cultural é destacada pela publicação recente de João Carlos Brigola, actual director do Instituto dos Museus e da Conservação (IMC).

Há uma referência interessante ao Mosteiro de Tibães, no relato do inglês Henry John Herbert que, em 1827-29, veio encontrar dois quadros supostamente atribuídos a Rubens. Não se sabe mais nada deles, o registo deles ter-se-á perdido com o encerramento do mosteiro por volta de 1830, na sequência da revolução liberal.


João Carlos Brigola, Os viajantes e o «livro dos museus». Colecções portuguesas através do olhar dos viajantes estrangeiros (1700-1900), Porto: Dafne Editora.
Sérgio C. Andrade, "Os museus portugueses vistos do estrangeiro", Público, 9. Dez. 2010.

Friday, December 10, 2010

O Papel Oriental - uma invenção alemã no Porto

A denominação «Papel Oriental» caiu totalmente em desuso. Quem a ouve, pensará antes em produtos de decoração, por exemplo num papel de parede, do que num purificador do ar. Precisamente a indicação "Para purificar o ar dos quartos" encontra-se no «Papel Oriental», produzido e comercializado pela Fábrica de Productos Chimicos de Claus & Schweder, Succr., sediado no Porto. Para além dos apelidos dos empresários alemães, a embalagem ostenta todos os prémios que o produto arrecadou entre 1897 e 1902, em volta de um putto alado pseudo-barroco que perfuma um locus amoenus numa alcova qualquer.


Os dias chuvosos, o cheiro a bolor nos quartos que, nos invernos, ficaram muitas vezes fechados para não deixar fugir o calor, terão sido inspiração suficiente para procurar uma 'solução química'. Cada tira perfumada do «Papel Oriental» queima em menos de um minuto, tempo suficiente - como diz a explicação no verso - para desinfectar o ambiente e "para purificar o ar dos quartos d'hotel, viciado pela estada de incógnitos mais ou menos sãos". Mais ou menos... para depois despregar o rol de doenças mais ou menos contagiosas como "variola, croup, cólera, febres mucosas, tiphoide escarlatina, etc.." - a dupla estratégia publicitária de luxo e saúde pública resulta.
Este produto é, sem dúvida, uma peça importante na história transcultural da burguesia urbana portuguesa, no que se refere ao discurso da «hygiene», proveniente da França e Alemanha. Portanto, não deixa de ser signifiativo que a invenção deste papel, que pelo adjectivo «oriental» indica a comercialização do orientalismo do século XIX, se deve à iniciativa de dois imigrantes de terras alemãs, Ferdinand Claus e Georg Philipp Schweder, que em 1887 fundaram a referida fábrica no Porto, primeira indústria de sabonetes e perfumaria do país. Ainda hoje em dia existe a marca «Claus Porto». Mas isto já é outra historia.

Wednesday, December 8, 2010

muslitos do mar - assim se diz em português?

«Surimifleischkroketten» - Mesmo quem sabe alemão não saberá ao certo que produto em concreto mereceu esta denominação tão técnica e precisa (correspondendo ao lugar-comum do alemão), a não ser que se presente acompanhada pela respectiva imagem. Então alguns dirão que são «muslitos del mar», recordando férias de verão na Espanha ou em lugares de cultura hispano-americana.

No entanto, esta expressão não se encontra em nenhum dicionário de língua alemã. Também os dicionários de língua portuguesa não registam a palavra «muslito», nem «muslo», apesar de as geladeiras lusas se encherem com «muslitos do mar», sobretudo nesta quadra (pré-)natalícia. O Google-Tradutor traduz «muslo» por «coxa» e insiste nesta tradução também para o diminutivo «muslito».

Em japonês, surimi significa «músculo de peixe picado» (daí a indicação alemã de «Fischmuskelfleisch» nas embalagens, quanto aos ingredientes). Depois de uma tradição milenar de elaboração artesanal, o surimi e os seus derivados entram, através da fabricação industrializada apartir dos anos 70, não só no leque do fast food japonês, com derivados no Ocidente pouco conhecidos, mas também globalizado, através da criação de derivados, adaptados no aspecto, na consistência, na cor e no sabor (imitação de marisco, nomeadamente carangejo) ao gosto do comsumidor norte-americano e, sucessivamente, europeu (vd. Taha, 1996), levantando a questão da sua tradução.

O derivado mais comercializado, o surimi crab stick, foi baptizado em língua espanhola como «delicia del mar» que venceu propostas como «palito del océano» ou «delicia de surimi» (vd. Park, 2005). Em português, a «delicia» ficou substituída por «capricho» na denominação mais comercializada caprichos do mar, no entanto practicamente coexistindo com delícias do mar, como mostram os resultados de busca em Google.

Sabendo o significado da palavra surimi, poderia parecer que houvesse uma troca de «músculo» por «muslo» na sua tradução para espanhol, mas não é assim. O que é decisivo é o aspecto do preparado panado (daí a denominação alemã «Krokette») parecido com os já anteriormente existentes «muslitos de pollo». O que varía é o material no interior que a expresão «muslitos del mar» não indica: indica a sua proveniência.
Então, ter-se-ia feito a criação análoga de «coxinhas de frango» para «coxinhas do mar», não é? Não aconteceu. Assim entraram os «muslitos do mar» na língua portuguesa. Mas ninguém diria «muslitos de frango».

Park, Jae W. (2005). Surimi and Surimi Sea Food. CRC Press, 2nd edition.
Taha, Patrícia (1996). Estudo da viabilidade técnico-econômica da produção do surimi. UFSC: Florianópolis [Tese de Mestrado]. Link: «fabricação industrializada»

Vespa, outra vez


Na procura de uma foto que possa ilustrar a capacidade da «Vespa» de transportar e de transgredir conceitos culturais, encontrei o filme húngaro (em co-produção sérvia) chamado simplesmente «Vespa», de 2010.
Encontrei este filme no site do 10º aniversário do «Hungarian Filme Festival» de Los Angeles (!).


Monday, December 6, 2010

This is not about Vespa, it's about ...

O discurso publicitário é um dos campos mais férteis para se aperceber da transculturalidade como dimensão productiva no mercado globalizado. O videoclip, composto de narrativa / representação, imagem (luz!) e som (incluindo a música), exibe e combina marcas de diversas identidades nacionais ou culturais, jogando com as expectativas do receptor.

O que à primeira vista parece ser um spot publicitário para a Vespa, mostrando a sua mobilidade num setting urbano sinuoso que bem poderia ser algures na Itália, berço da Vespa, se revelerá, no fim deste percurso circular, como «veiculo» para publicitar outro produto - ovos? não.

Repare-se no 'diálogo' (no sentido de M.Bakhtine) entre a música (letra inglesa) e a voz grega (aprenda grego com a contagem dos ovos...), o que faz deste spot, de passagem, um belo material para a aula de línguas, incluindo a transcrição de «Joker» para a escrita grega.

Parece que é mesmo uma cidade italiana que um belo jovem, igualmente motorizado, está a atravessar, evitando com grande arte o contacto do carro com peças de roupa delicada - cuidado, não serão elas o objecto desta publicidade. Mas mesmo assim, ele chega, após todos os movimentos bem controlados de desvio e travão, pontualmente ao pé da escada onde lhe espera não só a noiva, mas também um desfecho quase esperado desta narração (de laivos Don Giovanni / Don Juan) sem palavras... Neste caso, o 'diálogo' é entre «amore» e «Deutsche Technologie». Claro, o carro é um convertible.

Roupa delicada faz parar um carro topo de gama, mas não serve para enxugar lágrimas. Vejam finalmente outro uso inusual de um soutien, por parte de um gorila bem conhecido na mitologia cinematográfica, num urban setting artificial e descaracterizado. Desta vez, o spot publicitário é mesmo sobre Vespa.




Transculturalidade, sem esquecer as ingredientes de sensualidade e humor, identificáveis como típicas do Sul da Europa.